Campanha contra Agrotóxicos elogia samba da Vila Isabel e repudia patrocínio da Basf

por Vívian Viríssimo, com fotos de Eduardo Sá

Às vésperas do carnaval, setenta organizações que compõem a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida entregaram, nesta terça-feira (29), uma carta à vice-presidenta da Vila Isabel, Elizabeth Aquino. Com patrocínio exclusivo da empresa alemã Basf, a escola levará para a avenida o samba “A Vila canta o Brasil celeiro do mundo – água no feijão que chegou mais um” que homenageia a pequena agricultura. O enredo composto por Rosa Magalhães, Alex Varela e Martinho da Vila é elogiado pelas entidades por reconhecer a importância da agricultura camponesa e familiar. No entanto, o patrocínio da Basf, uma das seis maiores empresas que comercializam agrotóxicos no mundo, é alvo de críticas.

Leia a íntegra da carta

“Denunciamos que a Vila Isabel está sendo usada pelo agronegócio brasileiro para promover sua imagem, manchada pelo veneno, pelo trabalho escravo, pelo desmatamento, pela contaminação das águas do país e por tantos outros problemas. O agronegócio, que não pinga uma “gota de suor na enxada”, nem “partilha, nem protege e muito menos abençoa a terra”, quer se apropriar da imagem dos camponeses e da agricultura familiar, retratada no samba enredo de 2013, para continuar lucrando às custas do envenenamento do povo brasileiro”, defendem os signatários.

A carta revela a contradição de uma empresa que vende sementes transgênicas e venenos para o agronegócio ser associada com a produção de alimentos saudáveis produzidos pelos camponeses. As entidades demonstram, baseadas em dados do Censo Agropecuário do IBGE de 2006, que o pequeno agricultor é responsável por 70% do alimento que chega à mesa dos brasileiros, mesmo ocupando apenas 25% das áreas agricultáveis. “Mesmo recebendo apenas 14% do crédito dado pelo governo à produção agrícola, a agricultura familiar emprega 9 vezes mais pessoas por área e ainda é responsável por um terço das exportações agropecuárias do país. O outro modelo de produção agrícola, o agronegócio, abocanha 86% do crédito, 75% das terras, mas produz apenas 30% dos alimentos que compõem a alimentação da população e emprega somente 1,5 trabalhadores a cada 100 hectares”, informa a carta.

Estiveram presentes na reunião representantes do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca), da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). “Viemos aqui saudar e dizer que o campesinato brasileiro se sente muito representado no samba que a escola vai apresentar na avenida, mas temos um posicionamento crítico que está escrito na carta. Enquanto representante dos movimentos organizados do campo, saúdo o reconhecimento da Vila Isabel da importância do pequeno agricultor para a produção de alimentos”, disse o dirigente do MST, Marcelo Durão.

Na ocasião, as entidades também pediram que uma faixa da Campanha Permanente fosse estendida na quadra da agremiação. A faixa vai agradecer o esforço da escola de valorizar os pequenos agricultores brasileiros. A vice-presidenta concordou com a ideia desde que não haja teor político e que a mensagem passe pelo crivo e aprovação do presidente da Vila Isabel, Cleber Tavares.

“Nenhum outdoor dará tanta visibilidade à Basf”, diz vice-presidenta

A vice-presidenta da Vila Isabel esclareceu que a agremiação aceitou recursos da Basf para se tornar mais competitiva na disputa do carnaval 2013. “A Vila Isabel realmente pegou recursos oferecidos pela Basf para que fizéssemos um carnaval mais grandioso. Somente com o repasse da Prefeitura, nenhuma agremiação faz um carnaval competitivo. Mas todo nosso carnaval é a valorização do homem do campo. Não colocaremos na avenida nenhum maquinário agrícola top de linha. Nas fantasias e alegorias, retratamos a natureza e homem do campo, não são os grandes agricultores”, explicou Elizabeth.

Ela ressaltou ainda que o regulamento da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) impede qualquer tipo de merchandising e que, portanto, o nome da Basf não aparece no samba-enredo e a logomarca da empresa não poderá ser divulgada durante o desfile. “Não estamos fazendo samba-enredo ou apologia à Basf. A Basf foi o instrumento que nos proporcionou realizar esse samba. Falamos de preservação dos animais, temos a ala de vaca, galinha, formigas, a baiana vem de joaninha, a bateria vem de espantalho. A Basf nos ajudou financeiramente e em troca, é claro, não existe visibilidade maior que a proporcionada pelas escolas de samba. Nenhum outdoor que ela espalhe pelo mundo dará tanta visibilidade. O desfile do Rio vai para o mundo inteiro. Mas nós não estamos fazendo apologia nenhuma da Basf”, afirmou.

“A parte da Basf que nos ajuda é a parte do agronegócio mesmo. Todos nós sabemos que são usados agrotóxicos, inseticidas e é claro que para o ser humano pode não fazer nenhum bem, mas também acho que tem que haver. Mas nós não temos nada a ver com isso. Em se tratando da Vila Isabel, a gente apenas faz o carnaval  Se a Basf é prejudicial, as autoridades que fechem a Basf ou a Bayer, por exemplo. Não serão as escolas de samba que vão intervir. Mas há de haver interesse para outros que isso permaneça do jeito que está”, justificou.

“Agrotóxico não combina com biodiversidade”

O professor da Escola Politécnica Joaquim Venâncio da Fiocruz, Andre Burigo, destacou que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo desde 2008 e que venenos não combinam com biodiversidade. “Que bom que a Basf não vai ter nenhum dos seus símbolos representados, mas a empresa vai tentar tirar proveito do samba para criar uma imagem indireta que a Basf combina com biodiversidade, uma vez que a escola vai representar a biodiversidade na avenida. Mas o agrotóxico não combina com a biodiversidade”, contextualizou

Segundo a carta elaborada pela Campanha Permanente, a quantidade de veneno usada nas lavouras brasileiras tem causado contaminações nos rios, na chuva, no solo e até no leite materno. “Os danos à saúde vão desde dores de cabeça e enjoos até depressão, podendo levar ao suicídio, e diversos tipos de câncer, incluindo de cérebro, pulmão, próstata e linfoma, como pode ser comprovado pelos três dossiês publicados em 2012 pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO)”.

Quase dois terços do alimentos que chegam à nossa mesa contêm resíduos de agrotóxicos, sendo que um terço foi classificado como irregular, segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) . “Quarenta por cento dos tipos de câncer são preveníveis. O trabalho do Inca tem sido de promover a alimentação saudável. E alimentação saudável é produzida pelo pequeno produtor. Queremos que a população possa ter escolhas mais saudáveis e possa ter na sua mesa alimentos mais seguros”, disse a nutricionista Sueli Couto do Inca, que também participou da entrega do documento.

Leia a íntegra da carta

 

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