Argentina: 20 anos de soja transgênica

do IHU

No dia 25 de março de 1996, o secretário da Agricultura de Carlos Menem, Felipe Solá, autorizou a entrada da soja transgênica na Argentina, em um trâmite express baseado em estudos da Monsanto. Aumentou o uso do glifosato. Recorde de áreas desmatadas e expulsões.

A reportagem é de Darío Aranda e publicada por Página/12, 25-03-2016. A tradução é de André Langer.

Paseo Colón, 982, 25 de março de 1996. O governo de Carlos Menem autoriza a primeira soja transgênica e nada mais voltaria a ser como antes. Uma mudança drástica para a agricultura na Argentina, aprovada em apenas 81 dias e com base em estudos da própria Monsanto. Duas décadas depois, 60% da terra cultivada tem um único cultivo e são utilizados anualmente 200 milhões de litros de glifosato. Astronômicos ingressos para o país, mas também enormes consequências: recorde de áreas desmatadas, uso massivo de agrotóxicos, expulsão de camponeses e povos indígenas, concentração de terras em poucas mãos. Vinte anos de uma Argentina transgênica.

 

Felipe Solá, secretário da Agricultura de Menem, assinou o expediente da aprovação da soja transgênica. Em 2011, um grupo de seis cientistas de diferentes disciplinas fez uma leitura do informe. Os cientistas confirmaram que a autorização não contava com estudos sobre efeitos em humanos e no ambiente, que a informação era incompleta e questionaram o fato de que o Estado argentino não tenha feito pesquisas próprias. “O expediente de aprovação é, do ponto de vista científico, tendencioso, arbitrário e pouco científico. A maior parte dos resultados em pontos de extrema importância, como o consumo humano, ou os testes ecotoxicológicos em ratos, frangos e peixes, corresponde às próprias pesquisas da Monsanto. Ela é juiz e parte”, denunciou Norma Sánchez, professora titular da Faculdade de Ciências Naturais da Universidade Nacional de La Plata (UNLP) e pesquisadora independente do Conicet.

A soja transgênica passou de seis milhões de hectares para 12 milhões em 2003 e para 20 milhões de hectares em 2015. As exportações foram bilionárias. O pesquisador Tomás Palmasino, do Instituto Gino Germani, da UBA, precisou que, entre 2002 e 2013, a Argentina exportou 158 bilhões de dólares (em grãos, farinha e óleo de soja).

Na economia, chamam-se de “externalidades” as consequências não desejadas (e que as empresas não prestam contam). O desmatamento é uma “externalidade” do agronegócio. O Painel Intergovernamental sobre a Mudança Climática (IPCC, da ONU), do qual participam mais de três mil cientistas de todo o mundo, alertou em 2014 que 4,3% do desmatamento global acontece na Argentina. Hermán Giardini, do Greenpeace, precisou que entre 1998 e 2014 foram devastados 5.123.065 hectares de florestas. “Isso equivale a 300 mil hectares por ano, um hectare a cada dois minutos”, afirmou Giardini. 80% do desmatamento concentra-se em Santiago del Estero, Salta, Formosa e Chaco, todas províncias nas quais avançou o modelo agropecuário transgênico.

Segundo os censos agropecuários de 1988 e 2002, nesse período desapareceram 25% das propriedades agropecuárias (104 mil propriedades rurais). Há concordância entre os cientistas sociais que o número de propriedades rurais continuou em queda, mas não há censo agropecuário completo nos últimos 14 anos. Dados do INTA (Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária) confirmam a concentração de terras: 2% das propriedades agropecuárias contam com 50% da terra cultivável.

A Rede Agroflorestal Chaco Argentina (Redaf) é um espaço interdisciplinar formada por 15 organizações que trabalham no norte do país. Salienta os conflitos de terra e ambientais que acontecem na região conhecida como “Chaco argentino” (Formosa, Santiago del Estero, Chaco, leste de Salta, norte de Santa Fe e Córdoba). Em março de 2013, publicou seu relatório “Conflitos sobre posse de terra e ambientais”. Apontou 248 disputas territoriais, que afetam 1.580.580 pessoas em uma superfície de 11.824.660 hectares. A maioria dos conflitos (oito de cada 10) começou em 2000. “Coincide com o impulso do modelo agroexportador e a expansão da fronteira agropecuária na região chaquenha”, assinalou nas conclusões.

A Redaf explica que para o setor privado (empresários e produtores capitalizados) e o Estado, “o que está em jogo é a imposição de uma forma de produção baseada no agronegócio em grande escala, destinada sobretudo à exportação. A terra representa para eles um bem econômico necessário para produzir com rentabilidade, sem se importar com os custos ambientais, culturais e sociais que implicam”.

A Rede de Médicos de Povos Fumigados precisou que o uso de agrotóxicos passou de 30 milhões de litros em 1990 para 300 milhões anuais em 2011 (200 milhões são glifosato). Passou-se de dois litros do herbicida glifosato para entre oito e 12 litros. O Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA), em sua recente publicação “Os venenos agregados ao solo e seu destino no ambiente”, chamou a atenção para o fato de que os agroquímicos permanecem seis meses no solo, afetam cursos de água e questionam o fato de que a Argentina seja o país que mais faz uso de químicos e menos “eficiente” é na produção de grãos.

“O atual modelo de agricultura industrial ou modelo extrativista quis que a química (os praguicidas) controlasse a biologia, simplificando assim a tomada de decisões. No entanto, neste modelo, não se teve em conta que o uso excessivo de agrotóxicos coloca em sério risco o recurso solo”, afirmaram os investigadores do INTA.

Andrés Carrasco, cientista que em 2009 confirmou os efeitos letais do glifosato e depois sofreu um ataque das corporações transgênicas (falecido em 2014), definiu o modelo da agricultura química na Argentina como um “experimento massivo a céu aberto”.

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