Áreas agrícolas que utilizam agrotóxicos têm mais casos de câncer infanto-juvenil

Entre 2000 e 2012, a cada ano, o número médio de mortes por câncer entre crianças e adolescentes aumentou nas regiões de Camocim, Baixo Jaguaribe e Cariri, no Ceará. Já a concentração de casos da doença é maior nas microrregiões de Ibiapaba, Sobral, Meruoca, Fortaleza e Cariri.

 

A reportagem é de Cida de Oliveira, publicada por Rede Brasil Atual – RBA, 10-08-2016.

 

No período, em todo o estado, foram notificados 3.274 casos de câncer em menores de 19 anos, nos quais 26,3% tinham idade entre 15 a 19 anos; 23,7% entre 10 e 14 anos; 23,2% entre 1 e 4 anos; 22,5% entre 5 a 9 anos e 4,2% nem sequer tinham completado o primeiro ano de vida quando adoeceram. Foram registrados 2.080 óbitos – um coeficiente de 48 mortes por 100 mil habitantes. A faixa etária com maior número de vítimas fatais foi a de 15 a 19 anos de idade.

 

Além do câncer cada vez mais incidente, respondendo pela maior fatia dos adoecimentos no estado, essas localidades têm outro ponto em comum: concentram os chamados polos de irrigação – ou perímetros irrigados –, nos quais a produção de frutas, flores e leite tem o uso intenso de agrotóxicos.

 

As conclusões são de uma pesquisa recente da enfermeira especialista em oncologia Isadora Marques Barbosa, que defendeu mestrado em Saúde Pública pela Universidade Federal do Ceará (UFC) em maio passado.

 

A pesquisadora não descarta o fato de que o aumento de casos registrados e de mortes esteja relacionado à melhoria no sistema de notificação. No entanto, pesquisas realizadas em todo o mundo relacionam a exposição aos agrotóxicos com o desenvolvimento de diversos tipos de câncer, especialmente de cérebro, próstata, rins, linfoma não-Hodgkin e leucemia – esses dois últimos mais comuns entre os registros para a faixa etária estudada no Ceará. E já está estabelecido que a exposição de grávidas aos venenos no ambiente de trabalho aumenta as chances de câncer em seus filhos.

 

Além disso, por questões nutricionais, fisiológicas e relacionadas ao desenvolvimento, crianças e adolescentes são mais vulneráveis aos efeitos adversos – agudos ou crônicos – causados pelos agrotóxicos. A exposição a esses agentes se dá pela inalação, ingestão ou absorção cutânea. A ingestão pode ser maior em crianças do que em adultos principalmente pelo hábito de colocar as mãos, muitas vezes contaminadas, na boca.

 

“Porém, o fato é que são grandes as diferenças nas taxas de mortalidade nos polos de irrigação e em outras localidades, os chamados extrapolos. É relevante que as taxas de mortalidade venham aumentando nas regiões onde são utilizados agrotóxicos na produção agrícola principalmente de frutas”, explica Raquel Rigotto, professora do Departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal de Ceará e orientadora da pesquisa de Isadora.

 

A hipótese é reforçada por outro dado do estudo. Nos relatos de casos de crianças e adolescentes doentes do Baixo Jaguaribe, o fator de risco para câncer mais presente foi o de exposição a agrotóxicos – o que pode nortear novas investigações sobre essa possível associação entre câncer infanto-juvenil e exposições a agrotóxicos.

 

Os resultados encontrados no Ceará são semelhantes aos obtidos por pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso, segundo os quais a exposição aos agrotóxicos da população matogrossense desde o nascimento está relacionada ao surgimento de câncer e mortes pela doença em menores de 20 anos.

 

Pulverizações

 

As ameaças à saúde pública nos perímetros irrigados, onde está o agronegócio no estado do Ceará, são estudadas há anos por Raquel Rigotto. Suas pesquisas identificaram princípios ativos de agrotóxicos no solo da região da Chapada do Apodi, onde está o polo irrigado Jaguaribe Apodi, perto da divisa com o Rio Grande do Norte.

 

Substâncias como difenoconazol e epoxiconazol, altamente tóxicas, capazes de comprometer o fígado, e possivelmente causador de câncer conforme classificação de agências ligadas à Organização Mundial da Saúde (OMS), vinham sendo pulverizadas, por aviões, sobre culturas e também sobre casas, escolas, igrejas, granjas e pequenas hortas.

 

“Em 15 anos de agronegócio, esses e outros venenos chegaram às cisternas que abastecem as casas durante a seca e também aos aquíferos, contaminando tudo por onde passam e causando câncer, malformações e outras doenças, inclusive alterações endócrinas. Estamos estudando agora casos de puberdade precoce em crianças de 4 anos”, explica Raquel.

 

Combatidas por especialistas, ambientalistas e movimentos sociais, as pulverizações aéreas praticamente acabaram no estado por conta da seca que avança sobre a região, afetando as culturas.

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